Estar de ferias é muito chato.
Não ter hora para te levantar, para te deitar, fazer a comida sem o stress do relógio, programar os dias com calma, sem improviso e preocupações, namorar, oferecer flores à miúda, ver o mundo com outros olhos….
Tudo muito aborrecido!
É então que eu começo a sentir a nostalgia do Adagio para Cordas de Barber e o mundo verde e cheio de flores começa a ficar cinzento, sombrio e assustador!
Já me dispunha entregar o meu pescoço ao verdugo quando a Cavalgata das Valquirias começou a contaminar tudo com alegria e energia, e no horizonte aparece uma linda égua, toda ela negra, com a crina grisacea, de cavalgar imponente e majestoso, preparada para me salvar do verdugo:
-Acorda….
-Acorda!!!!
-Eu não sou a Dorothy, para de me puxar os cabelos!!!
Isto não se faz!
Precisamente naquele momento em que me dispunha a montar aquele belissimo animal a mulher atira-me da cama a baixo:
-O raio dos ciumes, pá!
-Que ciumes– dizia enquanto tentava recolocar o couro cabeludo- Estavas a sonhar com o raio das motas e a puxar-me os cabelos!
-Qual mota, qual carapuça mulher! Era uma égua!
-Não quero saber nada disso. Quero é dormir descansada que não tarda, tenho que ir trabalhar. Infelizmente não tenho a sorte de estar de ferias!
Enquanto se deitava de novo no ninho, eu fui há casa de banho…
Espera lá!
Ela tem razão!
Eu estou de ferias!
Passadas duas horas ela baixa à cozinha e junto ao tabuleiro onde estava o seu pequeno almoço estava um bilhete que gritava:
FUI-ME EMBORA!
ESTOU DE FÉRIAS!
MAMO-TE (quando volte)!
P.s.:
Como tenho o curso na quinta e hoje é segunda….
Como estou de férias e não tenho nada para fazer…
Como deves estar chateada comigo por te ter puxado os cabelos, decidi ir dar uma voltinha, fazer alguma coisa e assim dar-te tempo de acalmar o fel!
Fui com a Dorothy!
Não te esqueças de dar uma vista de olhos na Dulcinea e na Maria todos os dias, ok!?
Dá de comer ao piriquito ok!?
P.s.2:
Nós não temos piriquito!
Preparar uma viagem em pouco mais de duas horas, durante a madrugada e influenciado pela sonolência pode resultar catastrófico, por isso revia mentalmente o que tinha posto nas laterais da Dorothy.
Por sorte estava tudo, desde a roupa, o fato de chuva, a bolsa de barbear,o mapa da península, a câmara e a tablet com os livros electrónicos.
Só ainda não sabia onde e como preencher o meu tempo, mas a placa da Autovia punha Huesca e por lá se vai para o Monrepos!
Para já era por lá que iriamos. Depois consultariamos o mapa!
Cá estamos!
A partir daqui a estrada, a pesar de estar em obras, é um manto de diversão. Vinte km de curvas rapidas que desenham vários ganchos com inclinações de medo!
Pouco a pouco começo a desenhar na minha cabeça o mapa da viagem.
À direita do Monrepós, a norte da cidade de Huesca, ergue-se o maciço rochoso de Guara, desconhecido por mim, mas que pelo mapa tinha por lá umas estradas interessantes e umas paisagens que foram uma surpresa.
Outro detalhe interessante são as povoações, habitadas geralmente por pessoas idosas e cujo numero de habitantes por vezes não supera a dezena.
Paramos num deles, onde o “Policia Municipal” tratou de avisar os habitantes da presença do intruso!
Casas frias no verão e quentes no inverno….
A pedra destas casas, para alem da robustez, confere uma camuflagem natural. Este pequeno aglomerado, dificilmente se distinguiria visto desde um avião.
Começamos a ganhar altura e o rio que nos acompanhava esforça-se por descer o monte, saltando de pedra em pedra.
Neste caso, trata de desviar-se dos obstaculos, alguns deles com alguma tonelada de peso, mesmo que para isso tenha que passar forçosamente por debaixo deles.
Mas a estrada trata de nos deliciar com curvas e mais curvas….
Paisagens e horizontes acidentados…
Onde a agua e a terra lutam com as suas armas para dificultar a vida um do outro, proporcionando espectaculos como este.
E no meio disto tudo há sempre quem se dispõe a desafiar as regras que a natureza nos impõe.
Estes montanhistas, ou barraquistas (como dizem os aragoneses), dispõem-se a descer por esta garganta!
Enquanto disfrutava deste cenário, respirava este ar puro, pensava na miuda!
Como deve ter reagido com o meu bilhete?
Com que humor foi trabalhar?
Bem, não pensemos em problemas e coisas tristes!
Quando desperto deste pensamento vejo que havia uma CTX parada ao lado da Dorothy!
Admirando a mesma vista que eu, um senhor de 50 anos, fumando o seu cigarro cumprimenta-me com um timido “Hola!”.
Foi assim que conheci Enric, um montanhista catalão, que fazia pouco que tinha descoberto a melhor forma de viajar. Viajar de mota, para ele, foi um acto de liberdade, uma forma de expandir os seus horizontes sem ter limites!
Andava por ali, porque gosta de ver as paredes rochosas. Tinha estado em Jaca e traçou esta rota porque achou a estrada interessante:
-Não defraudou em absoluto!- disse.
A partir dali, fomos juntos, cada qual a seu ritmo, até Sos, onde paramos para vitaminar.
Depois decidimos fazer companhia um ao outro, programamos uma parada em Sort, e as que nos desse na vontade para tirar fotografias, fumar ou regar uma arvore.
As curvas seriam mais divertidas e as paisagens mais bonitas!
A N260, que liga a costa catalã há costa vasca, atravessa os Pirineus de cabo a rabo, sendo conhecida como a “trans-pirinaica” e é adorada por motociclistas e ciclistas, pelo seu traçado e pelas cotas de altura que atinge!
A estrada, depois do alto de Creu de Perves, desce abruptamente, numa sequência de cotovelos e curvas lentas até chegar ao vale de Sort.
Dorothy ainda desafiava a CTX mas esta não era fã dos andamentos desportivos, começando logo a roçar com os deslizadores no asfalto.
De vez em quando escapavamo-nos de Enric e a sua CTX para a dose de curvas, mas, assim que parasse para fotografar ela passava por nós com ligeireza e elegância.
Este sitio tem fama de trazer sorte!
Nesta pequena vila Pirinaica de Sort, está Administracion de Loterias del Estado “La Bruixa D’Or”, pode-se orgulhar de ter a fama e o record de ter distribuído o maior numero de “Gordos” da Loteria de Navidad. Num total 4 vezes, sem mencionar segundos, terceiros e quartos prémios, que totalizam varias dezenas de milhares de milhões de Euros e das antigas Pesetas!
Este senhor é o proprietario da Administracion e primou por ser uma pessoa simpatica, simples e humilde.
Deixamos Sort, subindo pela montanha, continuando pela N260 e o seu excelente traçado….
A tarde já tinha passado o seu equador e Enric dizia que me abandonaria en La Seu D’Ugell para rumar há cidade condal.
Esta foi a cota mis alta do dia, a 26km de La Seu. E que 26km de curvas….
A descida é impropria para cardiacos, com rampas de 12% quase sempre limitadas por cotovelos e curvas lentas que fazem aquecer os discos de travão em travagens prolongadas e mordazes.
Os pulsos já acusavam algum cansaço e o desconhecimento da estrada apelavam há precaução.
Uma vez chegados a La Seu D’Urgell, despedi-me da excelente companhia que foi Enric, trocamos dados para não perdermos o contacto e ficamos de nos encontrar em breve.
De La Seu D’Urgell eu apanharia direcção a Andorra la Vella em busca de uma cama onde descansar os ossos.