03-03-2016
O Abraço ao Apostolo
Voltei a abrir a janela de noite, depois de um bom banho quente, visto o fato térmico olhando para a rua.
Tomar o pequeno almoço é importante para ajudar a enfrentar este ultimo dia do Caminho. Enquanto bebia o leite com café, abocanhava com vontade um croissant ainda quente, observava como o dia lentamente começava a clarear.
Quando montei na Artax olhei para o céu encoberto e pedi que não me obrigasse a vestir o fato de chuva.
Nunca me interessaram as povoações do caminho, apesar de acreditar que sem elas o caminho estaria incompleto, mas de mota, eu queria era viver o caminho!
Em Sarria, o caminho passa mesmo no centro da cidade, por esta rua pedonal, que tive que desviar para não infringir as normas.
Logo depois de abandonar Sarria, começa a chover uma chuva muito miudinha, mais miúda que a chuva molha tolos, mas muito mais chata e fria, que devia molhar de Katano….
Hesitei em vestir o fato de chuva, queria ver ate donde subia para ver como estava o panorama do outro lado da colina!
Bingo!
Para estes lados a coisa estava mais clara!
Tivemos sorte.
Apesar de a agua abundar, haver imensos regatos transbordados, deixou de chover e o sol em algumas partes ameaçava “desbancar” as nuvens.
Como se pode ver na imagens, o caminho dava mais confiança, mas era tudo mentira. O pneu de Artax acusou o desgaste do dia anterior, a temperatura era baixa e as lages de granito estavam polidas. Tudo aconselhava a ter cuidado com as acelerações….
Até começarmos a tirar partido das derrapagens para alimentar o ego em bons momentos de diversão.
O Rio Minho, muito antes de fazer o seu primeiro contacto com as terras de Portugal.
Puerto Marin!
Sim.
O caminho sobe pela escadaria que existe em cima desse arco!
Tive que desviar pela estrada para o encontrar, já de saída da pequena vila.
Como é que eu me orientava!?
Reparem nesta foto….
Follow The Yellow Arrow!
Ela leva-vos até a Apostolo.
Neste caso levou-me até uma escadaria e obrigou-me a dar a volta para trás!
Coisa normal! Em inúmeras vezes, nos cruzamentos víamos a seta amarela para a direita e para a esquerda! Este tipo de orientação “bipolar” era por causa da actividade económica que o Caminho gera. Um peregrino tem que comer, dormir, comprar coisas de primeira necessidade e objectos para mais tarde recordar.
Ok!
O que fazer!?
Primeiro desmontar, depois ver qual era a longitude do charco e por fim tomar uma opção!
As pedras húmidas, desniveladas, estreitas só garantiam um piso firme. Cair seria um desastre.
Depois aquilo não parecia tão fundo. E se caísse a agua amparava a queda, podia morrer afogado, mas não morria da queda….
Bora lá! (fim de conversa de um gajo que não pesca nada disto)
Monto na Artax, engato primeira arranco, meto segunda e entramos dentro da agua….
Ups! Isto é mais fundo do que eu pensava!
Vais molhar os tins-tins Rui!
Acelera, não a deixes morrer, acelera katano!
Anda Artax, prometo que depois te ponho 98 octanas, não me deixes ficar aqui no meio! (fim de conversa de um gajo em desespero)
Agora, e analisando bem a coisa, até que não foi assim tão difícil, mas ver a agua pela cintura, acendeu-me todo os alarmes!!
Este foi o ultimo grande obstáculo do caminho….
Bem! Está o pinheiro que atirou ao chão, mas isso é lá mais para a frente.
A província de Lugo é montanhosa, húmida e fértil, e as pessoas ganham a vida da exploração agrícola. Em muitas das povoações encontrei celeiros como este!
Entre as povoações, o caminho tinha diferentes morfologia, piso em pedra, ou em terra, enlameado, com muito manto morto, às vezes largo, outras vezes estreito, por entre os socalcos, com descidas ligeiras ladeado pelos Eucaliptos….
Artax já patinava muito, tinha atingido os 70% de desgaste no pneu traseiro e um caminho como o que podem ver, com manto morto há mistura, fazia Artax desviar a traseira há saída das curvas em tracção. Isso aumentava a emoção da coisa, sem duvida, treinava muito bem o meu sistema sensitivo para detectar situações de risco, mas havia o reverso da medalha. Uma queda estúpida agora podia significar não chegar ao objectivo, depois do passado ontem, o ideal era ser prudente.
Aí estão elas, as vacas, que as à por todo lado, inclusive nos sítios mais insólitos, mas estas são vacas galegas, responsáveis por dar leite a mais de metade da Península e juntar mais um risco ao Caminho.
Se já tínhamos a agua, lama, regueiros, lages de granito polidas, manto morto (folhas mortas), agora faltava juntar a bela da bosta de vaca, escorregadia e pior que tudo mal cheirosa.
Por onde elas passavam, as vacas, deixavam um rastro de “ensaimadas” esborrachadas no chão que inevitavelmente iria pisar com a Artax, salpicando tudo, perfumando o ambiente…..
Em contraste, os eucaliptos trazia-me há ideia esse odor a Halls Motoliptus e animava-me o caminho até que me encontrei com um pinheiro tombado no caminho.
Ele até que nem era muito grande, estava sustentado pelos seus ramos elevando-se do chão uns 10cm, mais 20cm de diâmetro do tronco…
Já passaste por coisas mais difíceis Rui!
Calma Rui, é fácil…
Primeiro a roda dianteira, das gás, largas em embraiagem e já está! Muito bem!
Agora a roda traseira, dá gás,a roda sobe, cortas gás antes do tempo, Artax cala-se, começas a andar para trás, tropeças num ramo e subitamente estás no chão!
Levanta-te Rui, sai daqui, levanta a Artax, que ninguém te veja, que isto deve dar direito a uma década de troça…
Levantada a mota, fiz uma breve analise à procura de danos e depois conclui que foi tão estúpida que nem consegui fazer um arranhão à mota!
A segunda tentativa foi definitiva e assim pudemos seguir caminho.
Sem duvida o melhor conselho que recebi no Caminho!
Ser eu, feio, mau, provocador, venenoso,mas porco não (só se lava quem é porco)!
Monte do Gozo!
Sem duvida, dá muito gozo ver a cidade de Campus Stelae desde aqui!
Por incrível que pareça estava bué contente, tinha concluído um sonho, que persegui e levei a cabo, toda uma emoção…..
Ironicamente, depois de tanto salto, obstáculo, agua, chuva, gelo, neve e aventuras vividas em cima da Artax, os últimos 500m do caminho foram feitos a empurrar a mota, para leva-la ao objectivo que tinha traçado para ambos.
Na praça do Obradoiro, para alem de turistas e peregrinos, andavam de patrulha por ali uma “parelha” de policias municipais, que me observaram com atenção enquanto empurrava a Artax até ao centro da praça!
Fotografias feitas, sento-me no chão ao lado dela, e dou por mim a prometer-lhe muitas aventuras, por esses campos fora. Coisas, normalmente descabidas, que não vos posso contar, mas que certamente me vão fazer sonhar e perseguir esses sonhos até os transformar realidade.
Ao Apostolo, enquanto o abraçava, agradeci-lhe pelo desafio que propôs, prometi voltar muitas vezes, mas se algum dia vier a pé, seria sinal que já não poderia andar de mota, pondo-lhe assim a minha vida à sua disposição.
Já de saída, ultimo olhar para o “bota fumeiro”, que é bem maior do que aparenta na televisão….
Era tempo de ir embora, o Caminho estava feito, embora muitos dizem que km 0 está no cabo Finisterre, mas este ultimo pedaço nunca foi custodiado pelo Cavaleiros da Ordem.
O meu objectivo agora era pregar um susto à minha mãe, que me soube responder com um sentido abraço.
Para Artax, isso significou, como podem ver na foto, mais uma internacionalização…..
Por agora é tudo!
Bom Caminho, Buen Camino!